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  1. Feb 2017
    1. No texto do Acordo Ortográfico de 1990 (em vigor no Brasil desde 01/01/2009, com prazo de quatro anos para sua implantação definitiva), foi também incluída uma seção sobre o uso de letras maiúsculas (a Base XIX). Suas disposições alteram em parte o que constava do Formulário Ortográfico. Uma primeira novidade é que a Base XIX trata não só das maiúsculas, mas também das minúsculas. E isso porque, em alguns casos, o uso em Portugal diferia do nosso (o nome dos meses, por exemplo: lá se grafava em maiúscula, aqui em minúscula. Agora, ficou estabelecido que será grafado só em minúscula). Um segundo aspecto é que o texto diminuiu, para nós brasileiros, o número de situações em que se usa inicial maiúscula: o FO de 1943 listava quinze e o Acordo lista oito. Em outras palavras, o núcleo duro permanece, mas repetem-se as idas e vindas da faixa em que sempre houve oscilação. Um terceiro aspecto é o fato de o texto do Acordo mencionar três casos em que é indiferente usar inicial maiúscula ou minúscula: 1) os nomes que designam domínios do saber, cursos e disciplinas. Podemos, agora, grafar, por exemplo, Matemática ou matemática, Línguas e Literaturas Modernas ou línguas e literaturas modernas;       2) em palavras usadas reverencialmente, aulicamente ou hierarquicamente (por exemplo, numa correspondência, ‘meu caríssimo Mestre’ ou ‘meu caríssimo mestre’), em início de versos, em categorização de logradouros públicos (rua ou Rua da Liberdade), templos (igreja ou Igreja do Bonfim), edifícios (palácio ou Palácio da Cultura);      3) nos axiônimos (termos de reverência) e hagiônimos (nomes ligados às práticas religiosas). Este último caso, motivou uma certa discussão pela forma como está a redação do texto do Acordo. Na Base XIX, 1º, letra f, lê-se: 1º) A letra minúscula inicial é usada: f) Nos axiônimos e hagiônimos (opcionalmente, neste caso, também com maiúscula)... Alguns se perguntaram se a expressão “neste caso” se refere apenas aos hagiônimos ou integralmente ao caso definido na alínea f (axiônimos e hagiônimos). Qual teria sido o espírito do legislador? Quando escrevi o primeiro texto sobre o Acordo para este site (cf.     Mudanças ortográficas, publicado em 11/05/07), não tive dúvida: fiz a leitura abrangente da expressão e afirmei: Ficou facultativo usar a letra maiúscula nos nomes que designam os domínios do saber (matemática ou Matemática), nos títulos (Cardeal/cardeal Seabra, Doutor/doutor Fernandes, Santa/santa Bárbara) e nas categorizações de logradouros públicos (Rua/rua da Liberdade), de templos (Igreja/igreja do Bonfim) e edifícios (Edifício/edifício Cruzeiro). E fiz a leitura abrangente da alínea f tendo a tradição como pano de fundo: os axiônimos, independentemente de estarem ou não arrolados nas “regras”, sempre foram grafados com inicial maiúscula. A leitura restrita implicaria um rompimento radical com a tradição, o que não está no espírito do Acordo. Até mesmo porque o próprio Acordo, em outra disposição, mantém optativa a maiúscula “nos nomes usados reverencialmente, aulicamente ou hierarquicamente” (que, no fundo, são axiônomos), conforme apontamos acima. Nesta semana, recebi um e-mail de uma leitora questionando minha leitura abrangente. Seu argumento é que, a exemplificação da alínea f está assim: “senhor doutor Joaquim da Silva, bacharel Mário Abrantes, cardeal Bembo; santa Filomena (ou Santa Filomena)”. Ou seja, a alternativa só aparece explicitamente no caso do hagiônimo, o que, segundo ela, resolve a ambiguidade a favor da leitura restrita. Aí, voltei ao texto do Acordo e descobri uma coisa interessantíssima: o texto publicado no Diário Oficial da União (como adendo ao decreto nº 6.583/08 do presidente da República, que determina a vigência da ortografia unificada a partir de 01/01/2009) difere, neste item específico, do texto oficial publicado pela CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Neste, a exemplificação está assim: “senhor doutor Joaquim da Silva, bacharel Mário Abrantes, Cardeal Bembo; Santa Filomena (ou santa Filomena)”. [‘Cardeal’ em maiúscula] No DOU, este trecho aparece assim: “senhor doutor Joaquim da Silva, bacharel Mário Abrantes, cardeal Bembo; Santa Filomena (ou santa Filomena”. [‘cardeal’ em minúscula] Claro, tornar a grafia dos axiônimos um problema é, em princípio, uma questão bizantina. No entanto, leituras estritas dessas convenções sempre acabam por causar dano às pessoas, como vimos recentemente no caso samba/Samba da prova de ingresso ao Instituto Rio Branco (assunto ao qual voltarei em outro momento). Penso que a leitura abrangente é a mais defensável. Ela se sustenta  no espírito do Acordo, que é simplificador e flexibilizador, na tradição e no bom-senso, que, em matéria de língua, é sempre indispensável. No uso da prerrogativa que o Acordo me faculta, continuarei a grafar os axiônimos e hagiônimos com inicial maiúscula, embora cada um de nós possa optar, nestes dois casos, pela inicial minúscula.